sábado, 10 de setembro de 2011

A ilusão da uniformidade


E o que acontece quando você não se enquadra?

Simplesmente não se enquadra: não usa as roupas que todo mundo usa, não ouve as músicas que todo mundo ouve, não vê os filmes, não lê as revistas, não compra os sapatos, não tem o mesmo emprego, não faz os mesmos programas, não tem os mesmos afetos (e desafetos). E aí?

Temos tendência a buscar fazer parte, o que talvez possa ser uma manifestação do instinto gregário do ser humano: se pensarmos em termos evolutivos, nossa espécie sobreviveu graças a uma formidável capacidade de adaptação às vicissitudes do ambiente imediato e à organização social. Aliás, o que chamamos de instinto gregário, a necessidade de vinculação a outros indivíduos, é claramente notado enquanto determinante da sobrevivência quando se observa um bebê humano - absolutamente indefeso contra grandes ameaças e incapaz de prover sua sobrevivência por si mesmo. Por motivos diferentes, mas também de maneira bastante clara, observa-se uma acentuação desse impulso (digamos assim) na adolescência - sempre em grupos (turmas, gangues, guetos, entre outros nomes), sempre buscando "iguais", num caleidoscópio de identificações. Tendo, então, uma origem tão remota e repetindo-se em uma idade tão diversa, pode-se postular que é uma força de importante magnitude em nossa vida, mesmo em outras fases que não estas citadas.

E percebemos que tem mesmo, em níveis cada vez mais complexos da nossa vida: a criança quer pertencer à família para ser amada, o adolescente quer pertencer ao grupo para partilhar suas angústias, o adulto quer pertencer à sociedade mais ampla para ser reconhecido e respeitado... todos esses objetivos são intercambiáveis e podem ocorrer concomitantemente a outros, menos óbvios. Mas o desejo de fazer parte é a força motriz de uma série de comportamentos, nem sempre saudáveis.

E nos defrontamos então com a busca desenfreada pela uniformidade: cirurgias de lipoaspiração e implantes de silicone, a multiplicidade das escovas progressivas ou dos babyliss, o desejo de comprar o melhor tênis ou celular, curtir os mesmos artistas, saber a letra e a coreografia do último funk "proibidão". Ouvimos "preciso ser mais magra, mais descolada, mais loira, mais divertida, mais pegadora, mais feliz". Quando não se pode atingir o estado desejado (originalmente ditado pelo grupo ao qual quer se filiar), vemos a baixa autoestima, a depressão instalada, a sensação de fracasso.

Na vertente oposta, vemos os movimentos de contracultura, a oposição aos valores estabelecidos; a vontade de fazer diferente, não igual a todo mundo. Para isso, tomam por referência negativa as demandas do grupo social dominante, desprezando-as de modo mais ou menos incisivo. E para fazer frente ao poderio do status quo social o que os integrantes desses movimentos fazem? Um prêmio para quem pensou que eles se agrupam.

Em todo caso, existe a angústia de não fazer parte. E não fazer parte, nossos ancestrais aprenderam, é talvez um risco de morte; por nossa vez, também aprendemos muito cedo que não pertencer pode significar um risco real à integridade física e emocional.

Um problema decorrente disso é a frustração de não ser igual. Terminamos em uma busca infinita pela massificação de nossas ações e pensamentos apenas pelo desejo de ser igual, porque ser igual significa pertencer. Acontece que isto não é verdade, por vários motivos. O primeiro deles é que a própria ideia de que ser igual é possível - a igualdade absoluta é ilusória. Pensando logicamente podemos perceber claramente o quanto somos formados por experiências, ideias, caracteres genéticos/biológicos, núcleos familiares e um sem número de outros fatores todos muito particulares. Nenhum outro ser humano sobre a terra será constituído pelos exatos mesmo fatores.

(...)


[Reflexões e um texto inacabados de meses atrás]